26.2.13

Alguém pra chamar de eu

Eu sou esse que se esgueira, cujos atos são um indício de que há uma desordem, no todo controlável. Eu sou esse que profere sons inaudíveis quando a desordem irrompe num contexto de paz camuflada. Eu sou esse que trama as revoluções, que age quando é certo e que erra quando apenas o erro explica as variáveis absurdas da vida. Eu sou esse capaz de seduzir infalivelmente aqueles a quem a vida já sussurrou algumas infâmias – mas só aquelas que são ditas em silêncios de chumbo e luares infiltrados. Eu sou aquele cujo passado posterga infinitamente as projeções do presente e sublima numa epifania os contornos do futuro. Eu sou aquele para quem o futuro só admite o choro ou o riso bufão. Eu sou aquele para quem o confessionalismo é a única saída e a maior vergonha a ser exposta em vitrines que se espatifam ao som da menor dissonância. Eu sou aquele para quem a dissonância é uma ótima saída – a melhor de todas -, contanto que ela não esbarre em nada que se pareça com as contingências da vida. Eu sou aquele para quem o acaso acena como uma ótima possibilidade de desfecho de romance, enquanto o destino martela contas a pagar com a variável racional de números e casas decimais. Eu sou aquele que inventa para si e pavoneia para os outros alguma satisfação que não tem nada a ver com o expressionismo grotesco de todo santo dia. Eu sou aquele para quem o expressionismo não passa da deformação de um grito dado num poço tapado. Eu sou aquele que ama conforme a alegoria de determinados símbolos jamais confessáveis na cartilha da boa e velha semiótica dos amores. Eu sou aquele que chora por uma cena kitsch e que odeia os bons sentimentos, sobretudo quando transpostos para a íris impoluta de um cachorro ou de um gato. Sou aquele para quem os pássaros agonizam em tardes rubras e a quem declaram guerra em silêncio. Eu sou aquele em quem as mães confiam cegamente, para quem os filhos confessam suas derrocadas e através de quem os pais fingem – mal - que a vida não é uma sequência derrisória de fatos. Eu sou nada que valha a pena ser dito, até porque uma comédia sempre cai melhor que um drama. Fim.