18.12.14

Mantendo as Coisas Plenas

Num campo
Sou a ausência
de campo.
É sempre assim.
Onde quer
que eu esteja
sou o que falta.

Quando ando
separo o ar
e o ar
sempre volta
para preencher o espaço
onde meu corpo esteve.

Todos temos razões
para andar.
Eu ando
pra manter as coisas plenas.

(Mark Strand. Tradução de Bernardo Carvalho)

16.12.14


Isso de mim que anseia despedida
(Para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
E tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo. Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode ser isso?
Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro.

(Hilda Hilst. Cantares)

6.11.14

refenzinho:
o sorriso, a fleuma:
refenzinho.

a boa disposição
para estar em ordem,
caber em sins:
refenzinho.

a mulher, o cachorro,
o futebol com os amigos:
refenzinho.

após gordo almoço,
sono, cafezinho:
refenzinho.

essa alegria sob alvará,
subscrita a permanência:
refenzinho.

haverá aí um homem
na solidão da noite
na clausura do banho
no cárcere do tráfego
onde um grito irrompe?
(irrompe?)
haverá, no gesto funcional,
a pluripotência do soco?

ou só mesmo a colônia
a camisa alinhada
a gramática do corpo,
refenzinho?


21.10.14

estética da criação pré-verbal

o silêncio é uma ranhura
o frêmito apenas auscultado
sob o ovo elipsado.

o silêncio é de casca
e no oco
no vácuo
uma palavra-partícula se insurge
e - Bang! - o universo surge.

25.8.14

de onde veio este poema
não havia nada
de onde veio este poema.

de onde veio este poema?
há um tom opaco
sob as tramas deste poema.

de onde veio você, opala
fazer vez em um poema
que versava sobre o nada?

de onde veio este poema
fulgiu uma adaga
rasgou o ar na noite fria

do poema.

17.6.14