Eu sou esse que se esgueira, cujos atos são um
indício de que há uma desordem, no todo controlável. Eu sou esse que profere
sons inaudíveis quando a desordem irrompe num contexto de paz camuflada. Eu sou
esse que trama as revoluções, que age quando é certo e que erra quando apenas o
erro explica as variáveis absurdas da vida. Eu sou esse capaz de seduzir infalivelmente
aqueles a quem a vida já sussurrou algumas infâmias – mas só aquelas que são
ditas em silêncios de chumbo e luares infiltrados. Eu sou aquele cujo passado
posterga infinitamente as projeções do presente e sublima numa epifania os
contornos do futuro. Eu sou aquele para quem o futuro só admite o choro ou o
riso bufão. Eu sou aquele para quem o confessionalismo é a única saída e a maior
vergonha a ser exposta em vitrines que se espatifam ao som da menor dissonância.
Eu sou aquele para quem a dissonância é uma ótima saída – a melhor de todas -,
contanto que ela não esbarre em nada que se pareça com as contingências da vida.
Eu sou aquele para quem o acaso acena como uma ótima possibilidade de desfecho
de romance, enquanto o destino martela contas a pagar com a variável racional de números e casas decimais. Eu sou aquele que inventa para si e pavoneia para os
outros alguma satisfação que não tem nada a ver com o expressionismo grotesco
de todo santo dia. Eu sou aquele para quem o expressionismo não passa da deformação
de um grito dado num poço tapado. Eu sou aquele que ama conforme a alegoria de determinados
símbolos jamais confessáveis na cartilha da boa e velha semiótica dos amores. Eu
sou aquele que chora por uma cena kitsch e que odeia os bons sentimentos,
sobretudo quando transpostos para a íris impoluta de um cachorro ou de um gato.
Sou aquele para quem os pássaros agonizam em tardes rubras e a quem declaram
guerra em silêncio. Eu sou aquele em quem as mães confiam cegamente, para quem
os filhos confessam suas derrocadas e através de quem os pais fingem – mal - que
a vida não é uma sequência derrisória de fatos. Eu sou nada que valha a pena
ser dito, até porque uma comédia sempre cai melhor que um drama. Fim.
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