20.10.15

DERROTA

Eu que nunca tive um emprego
que ante todo adversário me senti débil
que perdi os melhores troféus para a vida
que apenas chego em um lugar já quero partir (crendo que mudar é uma solução)
que sou subestimado e recusado pelos mais hábeis
que me seguro nas paredes para não cair
que sou motivo de piada para mim mesmo por crer
que meu pai seria eterno
que sou humilhado por professores de literatura
que um dia perguntei em que poderia ajudar e a resposta foi uma gargalhada
que não poderei nunca ter um lar, nem ser brilhante ou triunfar na vida
que sou abandonado pelas pessoas por ser tão calado
que sinto vergonha por atos que não pratiquei
que falta pouco para que eu corra louco pelas ruas
que perdi o equilíbrio que nunca tive
que me tornei piada para muita gente por viver no limbo
que não encontrarei nunca quem me suporte
que fui preterido por pessoas mais miseráveis que eu
que seguirei a vida toda assim e ano que vem serei muitas vezes mais ridicularizado por minha
boba ambição
que estou cansado de receber conselhos de outros mais entorpecidos que eu (Ex: você é muito preguiçoso, tenha ânimo, desperte)
que nunca poderei viajar para a Índia
que recebo favores sem dar nada em troca
que percorro a cidade de um lado a outro como uma pluma
que me deixo levar pelos outros
que não tenho personalidade nem quero tê-la
que todo dia calo minha rebelião
que não lutei nas guerrilhas
que não fiz nada por meu povo
que não sou das FALN e me desespero por todas essas coisas e por outras impossíveis de enumerar
que não posso sair de minha prisão
que sou qualificado em todo canto como inútil
que na realidade não pude casar nem ir para Paris nem ter um dia sereno
que sempre babo sobre minha história
que sou idiota e mais que idiota de nascimento
que perdi o rumo do discurso que soava em mim e não pude reencontrar
que não choro quando sinto desejo de chorar
que me atraso em tudo
que sou arruinado por tanta marcha e contramarcha
que anseio a imobilidade perfeita e a pressa impecável
que não sou o que sou nem o que não sou
que apesar de tudo tenho um orgulho satânico ainda que em certas horas tenha sido humilde
até igualar-me às pedras
que vivi quinze anos no mesmo círculo
que me julguei predestinado para algo extraordinário e nada conquistei
que nunca usarei gravata
que não encontro meu corpo
que percebi por lampejos minha falsidade e não pude destruir-me, varrer tudo e criar
da minha indolência, da minha
flutuação, do meu extravio um ar novo, e obstinadamente
meu suicídio ao alcance da mão
me levantarei do chão mais ridículo ainda para seguir zombando dos outros e de mim até o dia
do juízo final.

(Rafael Cadenas; trad.: Gustavo Petter)

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