27.1.15

Cada indício era real e se fartava de símbolos. Eram reais as mães abandonadas, com filhos impossivelmente reais e distantes; eram reais as dançarinas amputadas, quando o anúncio de neon na avenida principal acentuava a catástrofe dos estilhaços por vir; eram reais as crianças bêbadas, que vagavam de bar em bar com uma garrafinha de pinga com limão entre os dedos. Talvez se eu sonhasse pudesse sacudir tudo de mim ao acordar, como um cachorro encharcado - quando ao menor indício de liberdade, quando ao menor vacilo do demiurgo, o corpo se desatarraxa do mal numa dança frenética, os pelos eriçando-se como pássaros assustados. Mas tudo era real, demasiado real (se eu me beliscasse com a força necessária talvez a carne rebentasse e o sangue, como um detento afoito, fizesse o caminho necessário do corpo para a vala e aí, ah, quem sabe aí, um delírio, uma perda de sentidos, uma manifestação onírica de dançantes imagens superpostas - quem sabe, aí sim, o sonho).

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