8.6.25

Réquiem para um sonho

Evoco, sem motivo aparente, a voz dela. Etérea. Ela nunca se materializou, nunca pude vê-la. Lembro-me dos dias também imprecisos, como se sua principal característica fosse a ausência de contorno. E nesses limites borrados eu podia criar qualquer coisa. Podia imaginar uma vida: filhos, cães, viagens, talvez uma casa na praia. Tudo era possível, porque nada era real.

Ela flutuava, sempre migrando de um lugar a outro. Sua voz ao telefone era a de alguém que tinha a vida a seus pés. Ela gostava de música e de poesia. Eu gostava do que era capaz de imaginar quando me imaginava com ela. Assim, de projeção em projeção, a vida acontecia. Com força e potência, porque suspensa. Hoje, tudo o que não foi me faz entender que somos muito mais do que aquilo que realizamos. É totalmente possível sermos sem vivermos. Um homem, mesmo o mais comum, mesmo o mais aparentemente banal, é uma sobreposição de universos - fogueira a arder no vazio e projetando mil imagens, sem que ninguém as veja.

Hoje rememoro isso em um blog que não passa de cinzas - as quais, vez por outra, avivo por distração. Mais por necessidade que por gosto, precisamos regar nossas plantas.

***

Fernando Pessoa, em algum momento - e talvez não com essas palavras - escreveu que os sonhos são a nossa única realidade.


11.5.25

Sobrevivência

Tem coisas a que a gente se apega. Por necessidade, sobrevivência. Às vezes somos capturados na distração: uma luz incidindo obliquamente, de forma a nos causar algum tipo de maravilhamento ótico; um cheiro bom, vindo de longe, talvez da casa perdida da infância. A vida, sem essas distrações, seria insuportável. Sem elas, não existiria poesia. 

Tudo isso se dá no vácuo. Não existe no discurso oficial da Vida. É como um detalhe marginal incapaz de inspirar grandes narrativas. Olhe de perto, bem de perto. Ou olhe de longe, de modo que as coisas se fundam, e em tudo exista a implicância de tudo.

São as duas maneiras possíveis de olhar. 

29.4.25

Voltei apenas para falar de um sonho

Tive um sonho lindo. Estava em lugar inóspito, incultivado, que parecia a Praça da Matriz. Então pessoas começaram a chegar para cuidar do espaço. Logo, tudo começou a frutificar. Havia verduras. Era como ver, em tempo recorde, com trabalho, dedicação e amor, a vida florescendo.

Alguém questionava tudo aquilo e eu explicava que antes o local estava abandonado. Porém, agora, havia alimento. E muito significado. Eu estava feliz.

De repente, encontro um tio meu, já falecido. Em vida me pareceu nunca se encaixar em lugar nenhum. Lá ele tinha uma perua e vendia algum produto - não lembro bem qual. Ele trabalhava, assim como os demais. O dia era luminoso e do ponto mais alto do terreno eu podia ver a harmonia e beleza de tudo quanto se realizava ali.

Foi um sonho lindo. Eu estava feliz. 


28.1.25

 Um manacá na parede

Um quadro balançando

ao vento.